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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

NAVEGANDO NO BARCO DA VIDA


Passei a trabalhar  com educação infantil, recebi a “turma dos gêmeos”, assim chamada porque dos 25 estudantes, quatro pares eram gêmeos idênticos, estavam no período no jardim I. Acompanhei-os até o jardim III (alfabetização), quando todos foram promovidos para a 1ª série. No meio dos alunos havia A que tinha uma história de vida especialmente interessante. Quando o conheci, tinha 4 anos, vivia com o pai e a avó paterna numa casa próxima a escola, tinha um irmão mais velho, que morava junto e 2 irmãs que viviam com a mãe em local desconhecido. Chorava muito no começo, e era objeto das minhas atenções, nas rodas de estórias, eu sempre colocava uma criança no colo, e ele era o candidato mais freqüente, durante o recreio, aonde eu ia lá estava ele, e, muitas vezes ficava esperando por mim na porta do sanitário. O pessoal da escola dizia que ele era minha sombra. Eu tinha uma grande preocupação com aquele excesso de apego, mas não via um meio de cortá-lo sem traumatizar a criança. Conversando com o pai que era muito presente e atencioso com os filhos, descobri que a mãe o havia abandonado quando ele tinha dois anos de idade, sendo criado a partir daí pela avó. Atribui então o apego dele á ausência da figura materna, o que me preocupava ainda mais.

Os anos se passaram, ele aprendeu a ler, produzia textos e bilhetinhos para mim. Quando fez sete anos foi promovido junto com o grupo para a 1ª série, indo para o outro prédio, aí, os problemas começaram. As queixas mais freqüentes da professora eram as de que ele não estava alfabetizado, brigava com os colegas e não falava com ela. Pedi autorização á coordenação para trazê-lo de volta para minha turma, ele veio de bom grado. No grupo ele tudo fazia e não brigava.  As Coordenadoras a tudo acompanhavam, ficando abismada com o que ocorria. A criança foi encaminhada para acompanhamento psicológico, e o relatório da profissional que o acompanhou deixava-nos ainda mais intrigadas, pois dava conta de uma criança harmoniosa e sem problemas que pudesse comprometer sua aprendizagem, sugerindo que ele fosse reintegrado a sua classe. Assim foi feito. Dois meses depois lá estava ele de volta para mim, pois apresentava os mesmos problemas. Resultado: foi conservado na 1ª série. Neste mesmo ano solicitei ao pai e a avó que ele passasse as férias de final de ano comigo e minha família. Eu sabia que era algo muito arriscado, mas estava disposta a tentar e a investigar com mais tempo, a origem daquele comportamento.
Com autorização Juizado de Menores, ele passou o natal, ano novo e viajou conosco. Minha família de pronto o acolheu e as crianças o adotaram como parente.

Durante nossas conversas, deixei claro pra ele que estávamos fazendo um negócio, e que ele teria que participar das aulas no ano seguinte, pois todo mundo tinha conhecimento de que ele sabia tudo, mas ficava escondendo. Nesse momento ele perguntou se iria ficar com a mesma professora, e eu respondi com outra pergunta: - Ela não é boa? Ao que respondeu  -é! _Você não gostaria de estudar com ela? Resposta-Não!  Porque, se ela é boa?   A resposta é a mais intrigante possível, porém dá sentido ás suas atitudes: - A voz dela é igualzinha a da minha mãe.(mãe que o abandonou, levando apenas as meninas, quando ele tinha 2 anos)

  Quando reiniciaram as aulas, informei a coordenação da escola a descoberta feita, e concordamos, (inclusive a professora) que seria interessante que o aluno passasse a fazer parte da classe de outro professor.  As queixas acabaram a leitura e a escrita de A, voltaram a fluir normalidade, e ele foi se afastando naturalmente de mim, remando com segurança seu barco na vida.

 Evidentemente não é sempre que o professor consegue chegar ao X das questões que ocasionam os problemas aos alunos, mas um olhar mais atencioso pode ser o divisor de águas entre o sucesso e o fracasso escolar de uma pessoa.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

PALAVRAS ,PALAVRINHAS,PALAVRÕES OU PALAVRÓRIO

A classe era extremamente agitada, as brigas e os palavrões eram muito comuns, e os roteiros ou os blocos de conteúdos não davam conta das necessidades do grupo. Cada dia que passava, minha angústia aumentava mais, pois eu queria algo que não era o que as crianças desejavam talvez por não entender a necessidade daquilo tudo,quando saiam das paredes da escola e retornavam para seus casebres sobre as palafitas ou para as casas do conjunto Joanes.
De tanto matutar, e em contato com os responsáveis pelas crianças, descobri que o que mais fazia sentido para eles eram os “palavrões”, pois até mesmo as mães quando conversavam comigo, de cinco palavras ditas,  três tinha esta conotação. Em segredo, resolvi que iria alfabetizar meus alunos a partir do estudo destas palavras. Eu fazia o roteiro como todo mundo, apresentava para a coordenação, mas na sala passei a utilizar algumas das palavras das crianças como “gancho” (estava na moda pegar o gancho). Espero que o relato de uma destas aulas não venha a ferir os ouvidos  mais delicados, porém para que haja compreensão real, não poderei deixar de fazê-lo.
Num dia de segunda feira  (A) uma criança de dez anos me disse em meio a uma briga:
 -Pró ;  (G) mandou eu tomar no (c) . Perguntei a G o que era o tal  (c), e ele ficou sem graça pois não esperava que eu repetisse a palavra, respondendo “não sei”, ele era negro sarará e estava todo vermelho. Percebi pelo rubor dele, e pelos olhinhos arregalados do restante da turma que havia chegado o momento, questionei então, como é que se escrevia a tal palavra, chamando o ofendido para escrever no quadro, a risada foi geral, mas ele veio, descobri então que ele sabia quais as letras necessárias para escrever tal palavra. Perguntei quem no grupo tinha apelido, antes escrevi o meu “Bia” no quadro, ai cada um vinha e colocava o seu recebendo ajuda  com as letras que não identificavam ainda. Afixamos os apelidos na parede, juntamente com o nome verdadeiro de cada um na ordem alfabética.  Falei então que, assim como as pessoas colocam apelidos nas outras, elas colocam também em algumas partes do corpo, as vezes porque tem dificuldades em falar o nome verdadeiro, mas que é bom saber o nome verdadeiro também.Então pedi que o grupo me ajudasse a fazer uma lista,  com as palavras utilizadas para dar apelido ao ânus.

O processo formal de alfabetização deste grupo se deu assim. Combinei com o grupo, que os palavrões só deveriam ser usados em situações inevitáveis, e construímos as regras de convivência  acredito que a proibição pura e simples, estimula o uso, a compreensão é ainda o melhor caminho. A partir daí, os palavrões apareciam nas aulas como  situação de aprendizagem, eles descobriram inclusive, que se não aprendessem a ler, poderiam ser xingados por escrito. Todo o grupo se apropriou da escrita.  Na verdade eles tinham muitas hipóteses acerca dela,  mas não externavam, deixando-as adormecidas, preferindo desafiar os professores, talvez por não haverem sido estabelecidos os vínculos afetivos.

É muito importante que o professor tenha sensibilidade, bom senso  e humildade para saber quando avançar e quando retroceder em relação ao que   planeja, afim de não impor ao aprendente a arrogância da vontade do educador.Sabemos que é papel da escola ensinar, mas há que se levar em conta as demandas sociais e o desejo do sujeito que aprende. De nada valem os lindos planejamentos e a intencionalidade da escola, se eles  estiverem alheios ás condições sócio-culturais,econômicas dos alunos e de seus familiares.
Sei que o professor é guia orientador e portanto modelo para seus alunos e para a comunidade,e este modelo precisa estar coerente com os desejos morais e éticos da sociedade, por isto ao decidir pelo caminho acima descrito, corri o risco de colocar todo o meu futuro como educador em jogo,podendo ser considerada uma professora licenciosa e permissiva, tanto pela coordenação da escola como pela família dos alunos. Tais  reflexões  me causavam imensos temores, mas cada vez que olhava para trás e vislumbrava  o meu passado de dificuldades econômicas ou lembrava das experiências vitoriosas ou malogradas que tive na escola, aumentava a certeza de  que o risco era inevitável. Afinal estávamos lidando com sujeitos únicos, mas que os modelos educacionais insistiam em  “enformá-los”, e o risco dessa uniformidade  poderia vir a ser a exclusão, que levando em conta o contexto, a marginalização social seria inevitável.
Acabei por saber coisas da vida deles e das famílias, algumas vezes aconselhando os pais e intervindo nos conflitos que se estabeleciam entre eles. 

Mesmo depois de terem saído da escola, continuei recebendo bilhetinhos e recados amorosos, e os professores seguintes sempre me informavam sobre o andamento deles.

NADAR,NAVEGAR , PESCAR, VIVER,SOBREVIVER.OU NAUFRAGAR


O dia da minha formatura foi também o dia em que me submeteria a última etapa do exame para seleção de professores do SESI,já havia feito os testes  escrito, e psicológico, faltando apenas o prático, que consistia na preparação e aplicação de uma aula simulada, fui aprovada, mas não pude assumir imediatamente,por conta de problemas de ordem pessoal, só vindo a fazê-lo um ano depois.
Fui trabalhar no subúrbio ferroviário, no bairro do Lobato. As informações que recebi sobre  minha futura  primeira turma,foram as seguintes: È  chamada de “2ª”   série,  formada por alunos com idade bastante defasada, repetentes de outras escolas, e não lêem nem escreve,apresentam problemas de disciplina,já passaram por duas professoras, nesse ano (pediram demissão), e eu seria a terceira, estávamos no mês de Junho, segundo me disse a coordenadora ; “ era um desafio”.
 A  escola começava a levantar questionamentos acerca das propostas construtivistas, todos estavam ainda engatinhando e os conflitos internos eram enormes. Eu nunca  tinha ouvido falar em Piaget ou Emília Ferreiro , e eles surgiram na minha vida como semi-deuses. Inicialmente usávamos  os estudos da escola da Vila como referencial de trabalho construtivista, comíamos os textos, discutíamos entre nós, algumas lagrimas eram derramadas, principalmente quando a não compreensão da teoria, fazia com que a nossa prática fosse por água abaixo. Como a minha classe fugia a todos os padrões da instituição, e certamente os técnicos não conseguiam incluir meus alunos no modelo teórico construtivista, eu ficava mais livre que os outros professores para experimentar. Éramos vinte e  seis seres, entregues nas mãos de Deus.
Trabalhávamos com um roteiro, que era feito e discutido semanalmente e que eu quase nunca conseguia seguir,pois a classe fugia de quase todos os padrões.

DIÁRIO DE BORDO terceira parte: NAVEGANDO PELA VIDA


Meu momento mais feliz e mais triste foi quando conclui a  4ª série, pois precisei mudar de escola para cursar o ginásio.
No ano seguinte, como não encontraram vaga para mim na escola pública, fui matriculada pelo meu irmão mais velho  numa escola particular, ai, eu vivi o preconceito  : racial social religioso, e apesar de não possuir os livros que a escola pediu, de nem sempre ter dinheiro para o transporte, fui aprovada em todas as disciplinas exceto francês,que  por 0,5 fui  reprovada. Retornei para a escola pública, estudando à noite, comecei então a ensinar numa escolinha na comunidade, depois numa escola de assistência social aonde ensinava adultos analfabetos. Eram minhas tarefas:Alfabetizar, distribuir a merenda, limpar a sala, e vender uns docinhos que ficavam pendurados na janela da sala, percebendo 50% de um salário, por um dia de trabalho. Como a remuneração era muito pouca, tive que deixar o trabalho indo trabalhar como vendedora em uma boutique, um serviço muito puxado e sem disponibilidade de tempo para o estudo, o que me obrigou a interromper os estudos por mais de uma vez.
Quando me vi novamente numa sala de aula, estava no ICEIA (Instituto Central de Educação Isaías Alves), cursando o segundo ano de magistério à noite. No  ICEIA tive oportunidade de conhecer os melhores e mais humanos e  os piores e mais preconceituosos  modelos de educadores. Evidentemente que, não podemos esquecer que a época e o momento histórico exigiam um tipo de formação  que hoje é questionado em sua metodologia. Porém, dentro do possível  obtive ali o que hoje considero base para o desenvolvimento do meu pensamento crítico,  pois acredito que toda experiência é válida para o crescimento daquele que busca conhecer. Na medida em que as experiências positivas e negativas foram surgindo, pude ir construindo minha identidade profissional, pude seleccionar quais ascaracterísticas que queria  ou não para a minha vida profissional futura, ora questionando ora aceitando pressupostos teóricos que se me apresentavam, e noutros momentos identificando no meu fazer, os pressupostos teóricos que o sustentavam.
Inúmeros são os motivos que movem um sujeito a ingressar nos cursos de formação de professores, alguns têm a esperança de estar iniciando um processo de mudança num modelo educacional que não os satisfaz, outros tantos procuram uma profissionalização que lhe garanta o sustento, já outros buscam um curso que não lhes sejam exigidos muitos conhecimentos das ciências tidas como difíceis: matemática, física e química. Mas, o que  todos têm em comum  é a busca por uma formação, que dependendo da intencionalidade formadora e da  maneira como for  ministrada, poderá ter como resultado, para o primeiro grupo o fortalecimento teórico-prático da necessidade de mudanças nos modelos educacionais, com vistas ao tipo de homem que se quer para a sociedade futura  (presente), pode-se  ainda modificar a visão dos dois outros grupos, tornando-os reais profissionais da educação, com possibilidades de sustentar-se pelo seu trabalho ao tempo em que o desenvolve com competência, consciência  e busca constante de novas aprendizagens, ora, atuando como aprendente, ora atuando como ensinante. Poderá ainda reforçar o modelo  existente, frustrando aqueles que, inconformados anseiam por  um novo modelo de educação, validando as ideias dos que buscam apenas uma colocação e as “facilidades” profissionais. Neste sentido, foi-me oportunizado  estar em contato com os diversos tipos de “futuros professores”, e por incrível que pareça, para um ambiente com uma única proposta de ensino, obtivemos orientações de diversas maneiras de pensar a educação. Havia os professores inconformados e sedentos por mudanças, os acomodados, que deixavam transparecer nas suas ações, um desejo por manter o distanciamento teórico-prático.

DIÁRIO DE BORDO segunda parte ou: "DE FRENTE COM O PRECONCEITO"


Dentre as muitas lembranças tem uma com lugar especial na minha memória, pois aí se deu a minha primeira batalha contra o preconceito: O SESI é uma instituição muito organizada, e quando eu comecei, tínhamos aulas regulares com uma professora: Maria das Dores, que precisou sair para entrar aquela que seria para mim um outro modelo profissional de raro valor, e que mais tarde se tornou  com muito orgulho para mim, “colega de trabalho” Professora Maria Conceição Diamantino.Tínhamos ainda um professor de música e outro de teatro, apesar do conteúdo da época em teatro e música, se restringissem ao calendário político/cívico, foi uma experiência ímpar, pois tínhamos a oportunidade de exercitar a criticidade.
Era época das comemorações da independência, e o professor  decidiu encenar conosco esse momento histórico, ele mesmo escreveu o texto, organizou os personagens e começou juntamente conosco a estudar o figurino da época, passamos então a definir os papéis; inicialmente, o professor perguntava quem queria ser o que, depois ele dava um “jeitinho” para que os atores se ajustassem à imagem construída pela estória, além de que, era preciso levar em conta a capacidade leitora de cada um bem como o poder de memorização. Eu sempre fui uma leitora viciada, e de tanto ler a peça, sabia-a quase que de cor. Na minha inocência, quando fui perguntada (falta de tato) disse que queria ser a princesa  Leopoldina, (eu era a única que recitava com segurança todos os nomes da princesa) o professor deu um risinho, mais cortante que uma navalha, as crianças nada disseram, na verdade eles não viam nenhuma objeção ao fato, (todos nascemos puros) quando o professor abriu a boca, o que saiu de lá de dentro hoje, seria motivo para processo: “ Você vai ser a aia.² (que entrava muda e saia calada) “A princesa tem que ser branca.” Só quem não riu foi meu irmão. (puro milagre) Minha resposta saiu em meio as lágrimas, “ Aia eu não vou ser, quero ser a princesa.” Parece que a psicologia desta época era a da caserna. O professor disse que não queria mais falar no assunto pois estava no fim da aula. Talvez as professoras nem se lembrem mais, talvez este fato possa ter se misturado a tantos outros que acontecem pela  vida a fora, mas eu, sei exatamente qual foi a sensação que tive, depois de ter recitado a fala da princesa para  a minha professora Conceição, para a professora Marina Célia,para a  professora Maria Helena, e quando elas se uniram na briga por mim, quando a querida professora Marina Célia disse que arte não tem cor, que se existe homem que se veste de mulher e vice-versa, como uma pessoa negra não podia fazer papel de branco e o branco de negro? Assim eu fui a princesa Leopoldina. No ano seguinte me candidatei a rainha do milho, mais ai tinha que vender bilhetinhos, e apesar do meu cabo eleitoral(meu irmão) ter vendido muito, eu fiquei em segundo lugar, mesmo assim o meu próprio aliado,(meu irmão) colocou-me o nome de “rainha do milho queimado”, mas logo esquecemos esta história, a gente sempre tinha outras. O que sei, é  que estas experiências  vivem registradas na minha memória, e são  responsáveis pelo meu pensamento de que devemos rechaçar qualquer tipo de discriminação e preconceito, e que é necessário que o professor esteja atento, inteirado  e sensível para as diferenças de seus alunos.

DIÁRIO DE BORDO primeira parte: ou: "QUEM ME ENSINOU A NAVEGAR"



Esta é a história de uma trajetória que ainda está sendo escrita pela vida, aonde ainda acontecerão erros, acertos, arrependimentos, mas, a tentativa é sempre de se estar dando forma às escolhas feitas pelas pessoas que a compõem.


Em meio às bonecas de pano, ao jogo de macaquinho, bambolês feitos de vergalhão, cozinhados de bonecas, jogos de gudes e fura-pé  e aos “bolos”  de palmatória na escola de Dona Alaíde; decidi que eu queria ser professora. Não que eu tivesse levado muitos bolos, mas, a simples visão daquele instrumento de tortura me apavorava, e o meu irmão maior, como tinha um “comportamento” pouco ortodoxo, era constantemente presenteado com as “boladas” e  eu  era  radicalmente contra aquela forma de tratamento, chegando ás lágrimas todas as vezes que ele era “educado”ora porque não acertava a lição,ora porque chegava tarde, pois apesar de sairmos juntos de casa para a escola, ele sempre parava no caminho por causa de uma arraia, um joguinho de gude, ou simplesmente para fazer um “favor” em troca de algumas moedas. Na verdade a escola de Dona Alaíde, era  a sala de visitas na casa dela onde eram ministradas  aulas  em classes multisseriadas.Estudei pouco tempo com ela, pois  a única escola municipal existente foi ampliada para poder comportar todas as crianças e a nossa mãe nos matriculou. ESCOLAS REUNIDAS LUÍS GAMA E ARISTIDES MALTÊS. Nesta sim, eu tomei um bolo, por causa de uma  falha da professora em apurar os fatos: Na minha  classe de 1ª série éramos duas Marisas, uma bem loirinha dos olhinhos azuis (abertamente preferida pela professora) e eu, negra,magricela e que roda e  mexia desmaiava por conta da fome. Diziam que eu era “fuxiqueira”, mas na verdade, eu era adepta da  verdade, não “delatava”, mas  na hora do “diga a verdade.” Eu dizia. Isso me custou inúmeros beliscões, “Tô de mal “, até mesmo de meus irmãos. Bem, a professora saiu da sala e o grupo (inclusive as duas  Marisas) fez a maior bagunça. Voltando pra sala, a professora perguntou quais as pessoas que participaram da bagunça. – Ninguém se manifestou, mas eu disse que tinha  participado só dos gritos, mas que todos nós fizemos. Como o grupo não assumiu e Marisa (a outra) utilizando-se do prestigio que tinha com a professora disse que fui eu quem começou tudo ( Meu irmão e defensor   não estava na mesma sala que eu).A professora mandou-me estender a mão, e tacou a palmatorada. Em meio às lágrimas eu arrebatei a palmatória e devolvi a pancada no braço dela, virei e  cravei os dentes em Marisa, fazendo uma roda vermelha. Não preciso nem dizer que minha mãe foi chamada , e eu fui ameaçada de expulsão, o que só não ocorreu porque meu pai foi a escola e esbravejou como uma onça, (ele não  me batia nem aceitava que ninguém o fizesse) e como a diretora gostava de mim,conhecia minha estória e meu comportamento,  optou por me trocar de  turma, colocando-me na sala da professora Dália junto com meu irmão.Apesar de hoje entender que naquele momento da história da nossa educação, era aceitável as palmatoradas, e que pela formação  da professora, ela acreditava que estava agindo certo, ou no mínimo sua ignorância e preconceito eram tamanhos que ela  acabava agindo como se estivéssemos ainda na senzala.  A sua escolha foi pela minha exclusão, por isso e pelo fato dela já não mais existi, prefiro não registrar aqui o seu nome, mas de qualquer forma seu exemplo serviu para que eu tivesse clareza do que eu não queria para mim quando fosse uma professora. Já a professora Dália, a  Diretora Floricélia, Margarida  a cozinheira, que me preparava leite antes do começo da aula, e que todos os dias me escolhia para ser ajudante na cozinha, para que eu pudesse dar bastante vezes copos de merenda ao meu irmão, escolheram  ser  as  minhas  primeiras influencias positivas  como perfil de seres humanos, humanizados e humanizantes, e que não faziam parte da minha família ou do meu circulo de amigos.Elas escolheram , ser os meus outros¹ significativos, e com elas eu aprendi as primeiras letras do alfabeto e da vida de educador As suas influencias, foram tão imensamente positivas, que eu não cursei a segunda série, fiz um teste no SESI, e entrei na terceira série, no ano de sua inauguração. A partir daí muitas outras  escolhas, pessoas, lembranças e afetos, preconceitos modelos e desafios  foram escritos, na ESCOLA REITOR MIGUEL CALMON.