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terça-feira, 15 de novembro de 2011

"EU SOU BRASIL, EU SOU BRASIL OH PÁTRIA AMADA!!”

 Creio que o 15 de novembro é uma boa data para publicar esse texto.

Que me perdoem os autores do Hino Nacional  estejam no plano em que estiverem, que me desculpem os que não conseguem compreender a dimensão da epigrafe deste texto, mas  durante toda a minha vida profissional, nunca ouvi algo mais lindo, mais cívico ou mais patriótico do que isto.
A Escola Municipal Comunitária Bom Juá localiza-se na periferia urbana da cidade de Salvador, as crianças que estudam nesta escola, conhecem todas as faces da pobreza e da carência que a sociedade lhes impõe. Apesar de todas as mazelas da vida, não é a pobreza que mais chama a atenção nessas  crianças,elas são  iguais a tantas outras que existem no mundo: arteiras, levadas, bagunceiras, umas tantas fazem parte de famílias conturbadas outras convivem com a harmonia de lares equilibrados, algumas estudiosas outras nem tanto. Porém o que mais surpreende  é a capacidade afetiva que elas tem. Se eu fosse poeta, talvez dissesse que elas aprenderam a amar sem medidas, a gostar sem reservas, a dar muito carinho e pedir muito pouco. Graças a Deus elas não estão contaminadas com as vergonhas que assolam a humanidade, elas não conhecem a corrupção, a politicagem, vivem as violências diárias, mas a maioria ainda possui a pureza e a paz que fazem com que as pequenas desavenças se resolvam num largo sorriso.
E nesse amar sem reservas, os meninos do Bom Juá amam o Brasil.
 Escolhi o Hino nacional para falar nesse amor sem fim.
Faz parte da rotina da escola cantar o Hino Nacional todas as segundas e sexta-feiras e foi nesse cantar que percebemos que os meninos e meninas de lá compreendem o verdadeiro sentido do amor patriótico pela nação.
Apesar de já terem estudado a letra do hino exaustivamente, dos professores terem organizado situações didáticas para a compreensão do significado das palavras, não há quem consiga fazer com que eles cantem determinada estrofe da maneira como foi concebida pelo autor.
Não se enganem eles não se equivocam nas palavras de pronuncia mais difíceis como: plácidas, retumbante, fulgido, idolatrada, lábaro, clava. O que eles trocam e acredito que é conscientemente, porque alguns sorriem neste momento é a estrofe que diz: “Dentre outras mil és tu Brasil oh Pátria amada”.
Dos filhos deste solo és mãe gentil Pátria amada Brasil.
Na minha compreensão eles conseguem ir muito além do texto original, pois quando cantam, falam de amor  filial, orgulho e sentimento de pertinência, que faria do Brasil uma nação muito melhor ao subverterem a letra do hino cantando: “Eu sou Brasil, eu sou Brasil oh pátria amada!”
Sonho com o dia em que, todos os brasileiros; homem ou mulher, adulto ou criança possa bradar aos quatro cantos do mundo-Eu sou Brasil, oh Pátria amada! Ou “eu sou homem oh pátria amada,” “eu sou mulher oh pátria amada” “eu sou homossexual oh pátria amada” “eu sou branco, preto, indígena, amarelo, oh pátria amada”. Mas que principalmente possam gritar: -“Eu sou humano, honesto trabalhador, digno, pacifico, pacifista,  tolerante, oh pátria amada.”
Sonho com o dia em que milhões de brasileiros possam ter orgulho em subverter o hino nacional e amar sem medidas, como os meninos do Bom Juá, e que essa subversão seja profunda, que invada as almas e encham os peitos. Nesse dia,espero que aconteça, bem antes que os meninos do Bom Juá cresçam, ai então teremos a certeza de que essa é uma nação com um passado,colocado no lugar em que deve estar, no lugar daquilo que serve de alicerce para construção do futuro, e que o presente  está sendo construído de forma a  encher de certeza aqueles que fizeram o passado, de que a sua passagem pela história de nossas vidas (inclusive os autores do hino Nacional) não foi em vão.

ACELERANDO A VIDA


Apesar dos longos anos de atuação em classes conflitantes, a minha dor de educar iniciou-se quando assumi a classe de aceleração de uma escola num dos bairros periféricos de Salvador, sabia que a empreitada não seria das mais fáceis. Primeiro, porque resido nas proximidades da escola e, portanto conheço a fundo sua história, segundo porque naturalmente uma classe de aceleração por si só constitui um desafio especial pelas características daqueles que formam o corpo discente. Lembro-me,  que  a primeira grande dor aconteceu logo no inicio de nossas relações; pois, apesar do conhecimento já posto, pessoas são pessoas, assim sendo, passei a lidar com um cem número de baús fechados e prontos a surpreender-me, atacando ou defendendo-se  a cada nova investida
Quando escolhi a classe de aceleração (nenhum professor queria), praticamente fui taxada de louca, muitos foram os que vieram até mim para relatar as experiências mal sucedidas com aquelas crianças. Felizmente não costumo me deixar levar pelas opiniões alheias, e pude descobrir em pouco tempo, era que a maioria dos problemas imputados ás crianças, tinham suas raízes nos adultos, em muitos dos casos nas famílias e na mesma medida nos professores.
A maioria dos defeitos apontados nas crianças diziam respeito a disciplina , ao “desrespeito”, a falta de higiene e a ausência dos familiares. Aos poucos fui descobrindo a verdadeira origem dos “defeitos” de cada um.
Meu grupo era composto por 27 crianças, com idade que variavam dos 08 aos 11 anos, tendo em comum a revolta contra a escola. Revolta só possível de ser percebida através de juras e promessas de que aquela conversa não sairia da sala, pois a maioria já estava contaminada pelo medo de que a verdade trouxesse as retaliações. Passei então a ser confidente das crianças. E nos meus mais de dez anos de sala de aula, nunca tive oportunidade de lidar com crianças que sinalizassem tão abertamente contra as arbitrariedades que a vida e conseqüentemente a escola vinha cometendo contra eles. Apesar de possuir bons profissionais, a escola tinha também aqueles que em hipótese alguma poderiam lidar com crianças.
Cada criança trazia consigo as marcas dos anos de repetência e de experiências malogradas com esse ou aquele professor. Alguns por pura falta de sorte, ou por capricho mesquinho dos adultos, vinham de anos de repetência com o mesmo professor que o reprovou pela primeira vez.
Durante dois anos estive com o grupo, conheci suas histórias, entrei em suas casas, conheci as famílias daqueles que tinham, fui ao Conselho tutelar, enfrentei crianças com histórico de ingestão de álcool na escola, sofri ameaças e fui defendida pelas próprias crianças ou pelas famílias delas, interferi direta ou indiretamente em algumas relações conjugais. Virei amiga e até hoje privo da amizade dos que ainda estão por perto, pais e mães de famílias trabalhadores, desempregados. Nesse processo, perdi seis pessoas para a marginalidade, mas mesmo quando fizeram a escolha por esse tipo de vida, continuaram demonstrando o mesmo respeito e carinho que tinham por mim no tempo em que estivemos juntos.
Com esse grupo aprendi que a vida é uma escolha, mas essa escolha não é responsabilidade apenas dos meninos que escolheram trilhar por caminhos diferentes do meu, ou pelo caminho mais “fácil”. São escolhas daqueles que optaram por guiar esses seres que dependem da sua opção. A pessoa pode não ter escolhido nascer na miséria, mas pode escolher fazer dessa miséria, uma alavanca para uma vida diferente. Mas diferentemente dos que nascem sem pedir, os que optam por ser professor, de qualquer forma escolhe o modelo de professor que quer ser. Existem os professores que são esquecidos,pois não fizeram diferença, nada acrescentaram na vida das pessoas. Também existem os professores que são lembrados com mágoa, revolta e desejo de vingança. Mas existem os que são lembrados para toda a vida, porque foram incorporados nas personalidades das pessoas. São verdadeiros modelos