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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

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AS MÁSCARAS DO TEMPO PEDAGÓGICO

Tempo pedagógico: esta tem sido a preocupação ou a principal fraqueza das escolas públicas da atualidade. Lendo os PDES de algumas escolas pode-se constatar que  a maioria deles tem o tempo pedagógico como fator determinante de  ineficácia. Tal preocupação, pauta-se numa única vertente, a de que o tempo em sala de aula não é aproveitado em toda sua  plenitude, ou seja, a de que algumas atividades desenvolvidas pelo professor não são concebidas  ou planejadas para garantia de aprendizagem. No conjunto destas atividades estão as rotinas (chamadas, recreio etc), atividades que dariam excelentes projetos de vida cotidiana.

Segundo a LDB,  cada aluno deve participar de quatro horas aulas diárias durante  duzentos dias anuais.  Tomando a legislação como base, assola-me um questionamento: O que ocorre com a aprendizagem dos alunos, haja vista as freqüentes  constatações da  má qualidade das aprendizagens das crianças, principalmente das oriundas das escolas públicas? Tal preocupação levou-me a pelo mundo dos cálculos  na tentativa de encontrar, não a causa do baixo desempenho dos alunos, mas, o principal agente  causador do comprometimento da aprendizagem das crianças.
Como resultados da minha experiência e das conversas com outros profissionais de educação que vivenciam o dia-a-dia da realidade escolar perceberam inicialmente a existência de três modelos de professores que exemplificam o que vem sendo feito na intimidade das unidades escolares e que nem sempre é percebido pelo PDE:

O primeiro professor escolhido é o que falta um dia em cada semana, quer por motivos de foro íntimo, quer por razões de saúde (dores de estômago ou de cabeça, mãe adoecida, T.P.M.,doenças psicossomáticas,consultas médicas, aulas extras na faculdade etc.). O resumo de tais problemas: 4 ausências por  mês.

Considerando que o ano letivo começa em fevereiro e que o período de dezembro é menor, e, portanto ele não faltará, teremos aí um total de 40 dias/ano. Consideremos ainda, que o planejamento e sessão de estudos dessa escola sejam mensais, teremos mais 10 dias, que obviamente não poderia ser considerado como perda, se o professor tivesse uma freqüência regular, pois tanto planejamento quanto o estudo são essenciais para quem  deseja desenvolver um trabalho com  qualidade. Enfim, 40+10 = 50. Consideremos que, o aluno comece com esse professor no primeiro ano de escolarização e  o siga até a quarta série ,  ao final dos quatro anos,  o sujeito terá perdido literalmente 200 dias de estudo, ou seja, o tempo de escolarização desse aluno será de apenas 3 anos ou 600 dias:  75% das aulas.

O segundo professor não falta, mas,  se a aula na sua escola começa às oito horas, ele chega todos os dias às oito e meia; e se o recreio da escola tem duração de  20 minutos, o de sua classe dura 30, pois ele precisa conversar com os colegas no corredor. Nesse processo  é perdida uma hora diariamente, o  que no final de uma semana representa  cinco horas ou, um dia letivo, mais uma hora de aula. Pode não parecer, mas esse professor compromete mais o tempo pedagógico que o anterior, pois apesar de não comprometer o planejamento e os estudos (mesmo chegando atrasado) atrasa-se também nas duas semanas do mês de  dezembro, somando mais dois dias letivos e duas horas  de improdutividade.Vamos ao cálculo: 
 1 dia e uma hora  semanal = 5 dias mensal  x  10 meses  = 50 horas anual  + 2 dias e  2 horas de dezembro =  52 dias e duas horas. Ao final de 4 anos   a perda do aluno terá sido de  210 dias letivos. Mais de um ano perdido, enquanto um aluno “normal” estuda aproximadamente 800 dias este aluno terá estudado 590 dias, ou, 73,75% das aulas.

O terceiro  professor é aquele que, se a aula começa 13 horas, ele chega às 13:30 h. e seus alunos já estão sozinhos na sala de aula.  Ao entrar na escola seu caminho é qualquer outro menos  a sua sala de aula.Entre conversas e outras providências particulares,geralmente são gastos 30 minutos. Quando vai para a sala ,  invariavelmente escreve no quadro algo do tipo “faça de um a mil” ou “Separe as sílabas das palavras:” para que as crianças se ocupem olha revistas de cosméticos ou seleciona as atividades  (que  deveriam estar pronta com antecedência).. Quando as crianças terminam já são 14h30min + A atividade não é corrigida porque o único objetivo dela era ocupá-las. O tempo pedagógico dessa turma é, com muito boa vontade, de apenas duas horas e meia diariamente.  Ao final de cinco dias, a defasagem é de 6h50min h. O que em um mês serão 6 dias  e  2 horas perdidos.  Este se assemelha ao professor número dois, pois faz o mesmo nas duas semanas de dezembro: penalizando o aluno em mais 3 dias e 1 hora . A soma disto tudo no final de um ano será  a perda de  83 dias e uma hora de aula , e esta hora no final de quatro anos se transformará, obviamente, em 4 horas; ou seja: um dia, que, juntando aos 83 multiplicados por quatro gerará  a assustadora quantia de 233 dias jogados no lixo. Estas crianças estudarão apenas 567 dias  ou, 70.8%.  Estarrecedor, não?

Suponhamos, pois, que a prática da escola em que trabalham esses professores não seja aquela em que um mesmo professor acompanha a classe por quatro anos, e essas crianças  possam  passar um ano com cada um dos três  professores, a soma de três anos será de 185 dias e 3 horas a menos,isto se  tiverem a felicidade de encontrar um professor, que apesar de  ser exceção,  existe. Esse quarto professor é um ser humano, e como tal, sujeito aos  imprevistos da vida, tais como doenças, acidentes...e , mesmo assim  assume com responsabilidade seus compromissos pedagógicos . Demos então, por conta dos acontecimentos inesperados, uma previsão de 15 faltas anuais. Mesmo assim essas crianças após quatro anos de escolaridade terão uma  defasagem de dias/aulas de  200  dias e três horas  anuais  Se todos os professores aqui citados, trilhassem caminho semelhante a esse último, haveria defasagem de dias sim, mas seria muito menor e mais facilmente recuperável.

Numa sociedade competitiva como a nossa, onde cada vez mais o conhecimento determina o papel que cada um  irá desempenhar nela,  estes alunos estarão sempre em desvantagem. Quando hoje se questiona a qualidade dos sujeitos egressos das escolas públicas, é preciso se pensar na qualidade de uso do tempo dispensado a eles. Fala-se hoje no sujeito que se quer formar e nas competências que devem ter para agir no seu entorno social. Neste sentido alguns questionamentos se fazem necessários: “Quem” serão estes sujeitos que têm hoje usurpada a garantia do tempo mínimo de escolaridade? Estamos formando sujeitos críticos éticos e questionadores, quando não temos no conjunto de nossas próprias competências enquanto educadores a capacidade ética de autocrítica e questionamento, quando não somos capazes de fazer o que é considerado correto se não tivermos sob  a mira das “fiscalizações”? Que mérito existe nos discursos bonitos, pra especialista ouvir, se nossas atitudes  são até amorais e contradizem todos os pressupostos existentes? Como exigir respeito e valorização profissional, se agimos sem o mínimo de profissionalismo? Com que “cara” atuaremos nos movimentos sindicais reivindicando  melhorias salariais?

Como guia e orientador do processo de aprendizagem, inquieta-me pensar no  modelo que estão sendo esses  três professores para seus alunos. Ao que tudo indica todos partem do princípio do “faça o que digo, mas não faça o que faço”.Ou da lei de Gerson: "Ter que levar vantagem em tudo”.Mas que vantagem há em olhar para trás e ter a certeza de que não se fez nem a metade do que poderia ter feito, não apenas como professor, mas como ser humano e que deveria ser humanizante de outros seres? Que vantagem há em saber que lá mais adiante na vida, aquele aluno que foi posto sob sua responsabilidade, por conta do seu pouco caso, irá sofrer as conseqüências das desigualdades ocasionadas pela falta de conhecimento, e que certamente seu caminho será mais curto na linha ascendente do que um  outro que pode contar com o tempo bem aproveitado pelo professor, ou ainda, que  o sujeito poderá olhar para o passado procurando um professor que tenha sido um “outro significativo” para ele e não encontrará.?

É corrente ouvirmos falar de “respeito ao tempo de aprendizagem do professor,”  ou  de “não carregarmos culpas pelos erros cometidos.” Acredito que assim deve ser, mas, as crianças não podem continuar perdendo um tempo que é precioso, e que provavelmente pelo seu nível social não terá  retorno. Precisamos parar com a cultura de formar “paus mandados” como nós, e começarmos a pensar em nossos alunos como lideres do presente e do  futuro. Se antes não tínhamos modelo de líder saído do povo, hoje temos o presidente Luis Inácio Lula da Silva. Para isto, nós professores somos, se quisermos determinantes.

Não tenho a pretensão de julgar ninguém, pois sei que somos hoje, reflexos do que ontem recebemos, mas desejo que este artigo cale fundo no coração de um ou outro educador  que, por caso  esteja trilhando  um dos três caminhos acima, e o faça  no mínimo pensar. E, como eu acredito que, quando queremos mudar para melhor  as forças positivas conspiraram a favor, que esta conspiração favoreça os nossos alunos, pois o quarto  caminho é o  mais tortuoso, mas é muito mais gratificante. E como diz o humorista, “para que possamos botar o cabeção no travesseiro e dormir tranqüilos”
Escreví esse texto, quando o ensino fundamental tinha a duração de 8 anos. Imagino para onde vão as contas agora que a duração é de nove anos, e a esse espaço de tempo são acrescidas as reformas intermináveis.