Tudo na vida é escolha pessoal, mesmo o que parece involuntário na verdade faz parte de um conjunto de decisões, pensadas e planejadas ao longo de um certo espaço de tempo. Muitas vezes leva-se muito tempo para se tomar uma decisão(às vezes uma vida inteira), outras vezes, as decisões são tomadas num sobressalto.
Esta é a história de uma trajetória que ainda está sendo escrita pela vida, aonde ainda acontecerão erros, acertos, arrependimentos, mas, a tentativa é sempre de se estar dando forma às escolhas feitas pelas pessoas que a compõem.
Eu poderia começar o relato deste diário, a partir de 1906 ou em qualquer outro ano posterior a 1959; se escolhesse iniciar nos idos de 1906, teria que relatar a história de um homem chamado Januário, que viu e viveu muitas coisas, que certamente, interessaria ao leitor, tanto pela riqueza da própria estória dessa vida que durou 96 anos, quanto pelo amplo repertório da cultura popular que acompanharia seus ditos e feitos, mas eu não sou a autora dessa estória, sou sim, parte de uma escolha feita por ele, pois sou uma de suas inúmeras filhas. Não me arrisco em quantificar os filhos e filhas, por pura falta de certeza. Como não sou a autora da estória, tenho receio de acabar cometendo erros durante o relato, já que tenho na memória, apenas fragmentos do que ele próprio me contava.Começar o relato a partir de 59, seria lógico, mas acabaria escrevendo uma auto biografia, e esta não é a minha intenção, mas posso iniciar da seguinte forma:
Em meio às bonecas de pano, ao jogo de macaquinho, bambolês feitos de vergalhão, cozinhados de bonecas, jogos de gudes e fura-pé e aos “bolos” de palmatória na escola de Dona Alaíde; decidi que eu queria ser professora. Não que eu tivesse levado muitos bolos, mas, a simples visão daquele instrumento de tortura me apavorava, e o meu irmão maior, como tinha um “comportamento” pouco ortodoxo, era constantemente presenteado com as “boladas” e eu era radicalmente contra aquela forma de tratamento, chegando ás lágrimas todas as vezes que ele era “educado”ora porque não acertava a lição,ora porque chegava tarde, pois apesar de sairmos juntos de casa para a escola, ele sempre parava no caminho por causa de uma arraia, um joguinho de gude, ou simplesmente para fazer um “favor” em troca de algumas moedas. Na verdade a escola de Dona Alaíde, era a sala de visitas na casa dela onde eram ministradas aulas em classes multisseriadas.Estudei pouco tempo com ela, pois a única escola municipal existente foi ampliada para poder comportar todas as crianças e a nossa mãe nos matriculou. ESCOLAS REUNIDAS LUÍS GAMA E ARISTIDES MALTÊS. Nesta sim, eu tomei um bolo, por causa de uma falha da professora em apurar os fatos: Na minha classe de 1ª série éramos duas Marisas, uma bem loirinha dos olhinhos azuis (abertamente preferida pela professora) e eu, negra,magricela e que roda e mexia desmaiava por conta da fome. Diziam que eu era “fuxiqueira”, mas na verdade, eu era adepta da verdade, não “delatava”, mas na hora do “diga a verdade.” Eu dizia. Isso me custou inúmeros beliscões, “Tô de mal “, até mesmo de meus irmãos. Bem, a professora saiu da sala e o grupo (inclusive as duas Marisas) fez a maior bagunça. Voltando pra sala, a professora perguntou quais as pessoas que participaram da bagunça. – Ninguém se manifestou, mas eu disse que tinha participado só dos gritos, mas que todos nós fizemos. Como o grupo não assumiu e Marisa (a outra) utilizando-se do prestigio que tinha com a professora disse que fui eu quem começou tudo ( Meu irmão e defensor não estava na mesma sala que eu).A professora mandou-me estender a mão, e tacou a palmatorada. Em meio às lágrimas eu arrebatei a palmatória e devolvi a pancada no braço dela, virei e cravei os dentes em Marisa, fazendo uma roda vermelha. Não preciso nem dizer que minha mãe foi chamada , e eu fui ameaçada de expulsão, o que só não ocorreu porque meu pai foi a escola e esbravejou como uma onça, (ele não me batia nem aceitava que ninguém o fizesse) e como a diretora gostava de mim,conhecia minha estória e meu comportamento, optou por me trocar de turma, colocando-me na sala da professora Dália junto com meu irmão.Apesar de hoje entender que naquele momento da história da nossa educação, era aceitável as palmatoradas, e que pela formação da professora, ela acreditava que estava agindo certo, ou no mínimo sua ignorância e preconceito eram tamanhos que ela acabava agindo como se estivéssemos ainda na senzala. A sua escolha foi pela minha exclusão, por isso e pelo fato dela já não mais existi, prefiro não registrar aqui o seu nome, mas de qualquer forma seu exemplo serviu para que eu tivesse clareza do que eu não queria para mim quando fosse uma professora. Já a professora Dália, a Diretora Floricélia, Margarida a cozinheira, que me preparava leite antes do começo da aula, e que todos os dias me escolhia para ser ajudante na cozinha, para que eu pudesse dar bastante vezes copos de merenda ao meu irmão, escolheram ser as minhas primeiras influencias positivas como perfil de seres humanos, humanizados e humanizantes, e que não faziam parte da minha família ou do meu circulo de amigos.Elas escolheram , ser os meus outros¹ significativos, e com elas eu aprendi as primeiras letras do alfabeto e da vida de educador As suas influencias, foram tão imensamente positivas, que eu não cursei a segunda série, fiz um teste no SESI, e entrei na terceira série, no ano de sua inauguração. A partir daí muitas outras escolhas, pessoas, lembranças e afetos, preconceitos modelos e desafios foram escritos, na ESCOLA REITOR MIGUEL CALMON.
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