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terça-feira, 15 de novembro de 2011

ACELERANDO A VIDA


Apesar dos longos anos de atuação em classes conflitantes, a minha dor de educar iniciou-se quando assumi a classe de aceleração de uma escola num dos bairros periféricos de Salvador, sabia que a empreitada não seria das mais fáceis. Primeiro, porque resido nas proximidades da escola e, portanto conheço a fundo sua história, segundo porque naturalmente uma classe de aceleração por si só constitui um desafio especial pelas características daqueles que formam o corpo discente. Lembro-me,  que  a primeira grande dor aconteceu logo no inicio de nossas relações; pois, apesar do conhecimento já posto, pessoas são pessoas, assim sendo, passei a lidar com um cem número de baús fechados e prontos a surpreender-me, atacando ou defendendo-se  a cada nova investida
Quando escolhi a classe de aceleração (nenhum professor queria), praticamente fui taxada de louca, muitos foram os que vieram até mim para relatar as experiências mal sucedidas com aquelas crianças. Felizmente não costumo me deixar levar pelas opiniões alheias, e pude descobrir em pouco tempo, era que a maioria dos problemas imputados ás crianças, tinham suas raízes nos adultos, em muitos dos casos nas famílias e na mesma medida nos professores.
A maioria dos defeitos apontados nas crianças diziam respeito a disciplina , ao “desrespeito”, a falta de higiene e a ausência dos familiares. Aos poucos fui descobrindo a verdadeira origem dos “defeitos” de cada um.
Meu grupo era composto por 27 crianças, com idade que variavam dos 08 aos 11 anos, tendo em comum a revolta contra a escola. Revolta só possível de ser percebida através de juras e promessas de que aquela conversa não sairia da sala, pois a maioria já estava contaminada pelo medo de que a verdade trouxesse as retaliações. Passei então a ser confidente das crianças. E nos meus mais de dez anos de sala de aula, nunca tive oportunidade de lidar com crianças que sinalizassem tão abertamente contra as arbitrariedades que a vida e conseqüentemente a escola vinha cometendo contra eles. Apesar de possuir bons profissionais, a escola tinha também aqueles que em hipótese alguma poderiam lidar com crianças.
Cada criança trazia consigo as marcas dos anos de repetência e de experiências malogradas com esse ou aquele professor. Alguns por pura falta de sorte, ou por capricho mesquinho dos adultos, vinham de anos de repetência com o mesmo professor que o reprovou pela primeira vez.
Durante dois anos estive com o grupo, conheci suas histórias, entrei em suas casas, conheci as famílias daqueles que tinham, fui ao Conselho tutelar, enfrentei crianças com histórico de ingestão de álcool na escola, sofri ameaças e fui defendida pelas próprias crianças ou pelas famílias delas, interferi direta ou indiretamente em algumas relações conjugais. Virei amiga e até hoje privo da amizade dos que ainda estão por perto, pais e mães de famílias trabalhadores, desempregados. Nesse processo, perdi seis pessoas para a marginalidade, mas mesmo quando fizeram a escolha por esse tipo de vida, continuaram demonstrando o mesmo respeito e carinho que tinham por mim no tempo em que estivemos juntos.
Com esse grupo aprendi que a vida é uma escolha, mas essa escolha não é responsabilidade apenas dos meninos que escolheram trilhar por caminhos diferentes do meu, ou pelo caminho mais “fácil”. São escolhas daqueles que optaram por guiar esses seres que dependem da sua opção. A pessoa pode não ter escolhido nascer na miséria, mas pode escolher fazer dessa miséria, uma alavanca para uma vida diferente. Mas diferentemente dos que nascem sem pedir, os que optam por ser professor, de qualquer forma escolhe o modelo de professor que quer ser. Existem os professores que são esquecidos,pois não fizeram diferença, nada acrescentaram na vida das pessoas. Também existem os professores que são lembrados com mágoa, revolta e desejo de vingança. Mas existem os que são lembrados para toda a vida, porque foram incorporados nas personalidades das pessoas. São verdadeiros modelos

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