Tal
privatização sob o nome de Alfa e Beto, modelo de ensino pautado no
autoritarismo didático, aonde os conteúdos são algemados em cadernos e manuais
que não permitem ao professor o exercício de sua autonomia e criatividade. Este modelo descaracteriza a educação fundamental, com anulação do
professor e apagamento do aluno, transformando o primeiro em meros executores “vigiados”
de manuais. Ao segundo cabe o papel de repetidores de lições pré-estabelecidas.
Nesse sentido, muitas das atividades se
voltam exclusivamente para a técnica da escrita com pouca ênfase nas atividades
de compreensão dos textos com função social.
O Estatuto do Servidor do Magistério
Público do Município do Salvador, no capítulo II art. 3º preconiza que:
Constituem preceitos éticos próprios do Magistério:
VI
- o exercício de práticas democráticas que possibilitem o preparo do cidadão
para a efetiva participação na vida da comunidade, contribuindo para o
fortalecimento da autonomia municipal e da soberania e unidade nacional;
VII
- o desenvolvimento do conhecimento, das habilidades e da capacidade reflexiva
e crítica dos alunos;
Como cumprir tais preceitos se o
modelo que nos está sendo imposto traz no seu bojo:
Conteúdos tipicamente escolares se
confundem com o processo de alfabetização, não se consolidando em práticas
sociais de leitura e escrita;
No primeiro ano, as atividades estão voltadas
para o reconhecimento dos fonemas, qualificados de barulhos;
Afirma que estimula a leitura
fluente, contudo, não se trata de um processo de domínio do código escrito, mas
sim da memorização de texto, devido à repetição.
Raquel
Meister Ko. Freitag, mestranda em educação da UFT afirma em sua tese de mestrado: “Não é
tarefa fácil fazer com que os professores falem aberta e sinceramente sobre o
que pensam a respeito dos programas, dos resultados e dos encaminhamentos;
sabemos que por trás da adoção de um programa educacional estão comissões e
cargos comissionados. Aquele que vai contra o sistema acaba sendo excluído, daí
o risco em opinar sobre tão polêmico assunto. E toda a máquina trabalha contra
o professor. A perda da autonomia da direção em relação ao que toca aos
programas, bem como a atuação extremamente próxima da supervisão faz com que a
voz e opinião do professor sejam sufocadas no processo. Como ser criativo se o
programa vem pronto, fechado, se nem as avaliações são planejadas pelo
professor? A adoção do programa o amordaça e isso não é benéfico para o
processo do aluno. Talvez esse programa tenha ganhado o espaço que têm hoje
porque os problemas na formação de professores de séries iniciais no Brasil são
uma triste realidade”.
(...)
“O imperativo econômico,
sem dúvida, é o vilão da educação. Para que investir em estudos
sociolinguísticos regionais para o ensino de língua materna, já que é muito
mais barato fazer material único, planificado, genérico, impondo uma variedade
linguística em detrimento das demais. Daí a importância de professores nas
séries iniciais bem formados, com uma base linguística sólida, conhecimentos
sociolinguísticos e que sejam estimulados a pensar em soluções locais para
problemas globais?”. (Revista do Curso de Mestrado em Ensino
de Língua e Literatura da UFT – nº 1 – 2010/II).
Em entrevista à revista VEJA o Presidente
do Instituto Alfa e Beto, João
Batista Araujo e Oliveira afirma que “as escolas e as secretarias de
Educação estão povoadas de pedagogos, e não de gestores”. Num outro parágrafo
afirma que “o que falta ao Brasil é um ensino estruturado” ou, o Alfa e Beto. (Grifo meu).
Na mesma
entrevista afirma: “Desde 1995, o salário do professor quintuplicou no
Brasil, mas não houve avanço no desempenho do ensino. Então, aumentar uma
variável só não vai mexer no resultado. A equação é mais complexa. Além disso,
10% é uma cifra descabida do ponto de vista da macroeconomia”.
Cabem
aqui algumas perguntas: Qual era o salário do professor de Salvador em 1995?
Quintuplicou em cima do que?
Em outro
momento da entrevista com a certeza de quem conhece todas as Unidades Escolares
do Brasil completa: “As escolas têm um punhado de papéis reunidos sob o nome de
“proposta político-pedagógica”, seja lá o que isso queira dizer: começa com uma
frase do Paulo Freire e termina citando Rubem Alves”.
A despeito
da ironia evidente nas palavras do entrevistado, não posso deixar de citar o mestre
Paulo Freire (1967 p.83): “Para o educador dialógico, problematizador, o
conteúdo programático educacional, não é uma doação ou uma imposição ou ainda um
conjunto de informes a serem depositados no educandos, mas a devolução organizada,
sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que ele
lhe entregou de forma desestruturada. A educação autêntica repitamos não
se faz de A para B ou de A sobre B, mas
de A com B , midiatizados pelo mundo. Freire ainda afirma que alfabetizar não
pode ser um ato puramente mecânico, ou seja, aprender a decodificar sinais mais sim relacionado com a prática da vida.
Um texto
publicado no Boletim Informativo Nº 1 da revista da Secretaria Municipal de Educação
do Rio de Janeiro (Julho 1989) bem reflete o que pretende a atual proposta de ensino
da SME de Salvador:
Receita de Alfabetização
Pegue uma criança de 6 anos, e lave-a
bem. Enxague com cuidado, enrole-a num uniforme e coloque-a sentadinha na sala
de aula. Nas oito primeiras semanas alimente-as com exercícios de prontidão. Na
nona ponha uma cartilha em suas mãos. Abra a boca das crianças e faça com que
engula as vogais. Quando estiverem digeridas as vogais, mande mastigar uma a
uma as palavras da cartilha. Cada palavra deve ser mastigada no mínimo 60
vezes. Se tiver dificuldade de engolir separe as palavras em pedacinhos.
Mantenha as crianças em banho-maria durante quatro meses fazendo exercícios de
cópia. Em seguida faça com que engula algumas frases inteiras. Mexa com cuidado
para não embolar. Ao fim do oitavo mês espete a criança com um palito isto é, aplicando-lhe
uma prova para verificar se ela devolve pelo menos 70% das palavras e frases
engolidas. Se isso acontecer considere a criança alfabetizada. Se a criança não
devolver o que lhe foi dado para engolir, recomece a receita desde o início,
isto é volte aos exercícios de prontidão. Repita a receita.
A existência de problemas estruturais
na educação de Salvador é inegável. Vão desde a precariedade da formação docente,
à forma como são realizados os concursos públicos para preenchimento das vagas
existentes (sem atividades práticas), suas substituições durante as longas
ausências, quando são admitidos os estagiários (as) sem nenhum preparo
anterior, a fragilidade do acompanhamento sistematizado ao trabalho docente e
da coordenação pedagógica, a falta de condições, mínimas, de estrtura para o funcionamento
da maioria das Unidades Escolares, a inadequação dos mobiliários usados pelos
estudantes, que se desmancham como se fossem de papel, colocando em risco a
integridade física das crianças, o número de estudantes por turma, a
desassistência aos estudantes portadores de necessidades especiais, a falta de
compromisso por parte de muitos professores, gestores e coordenadores
pedagógicos, a ausência de um mecanismo de investigação eficaz, aplicados aos
profissionais que são devolvidos à Secretaria de Educação, porquanto são removidos
para outras escolas sem ter sido submetido (a) a um tratamento especializado
para mudança de hábitos e atitudes ou são convidados a se aposentarem, levando
consigo a falta de compromisso profissional, a desonestidade, falta de
preceitos éticos, de conhecimento básicos sobre o quê ensinar. Eles passam de
escola em escola, compartilhando suas mazelas, abortando sonhos, traumatizando
e empobrecendo educacionalmente as crianças que tem a desventura de cruzar seus
caminhos.
Não creio que seja o ensino estruturado,
nos moldes que está sendo imposto aos maus professores, mas principalmente aos
bons educadores (felizmente a maioria), que vai dar conta de todas estas
questões, não acredito que transformar bons profissionais, criativos,
comprometidos e humanos em meros repetidores de receita vá dá conta das
moléstias instaladas no ensino público de Salvador, creio menos ainda numa
busca de solução calcada na acusação desmedida, tornando os pedagogos algozes
da educação.
Etimológicamente pedagogo significa: preceptor, mestre,
guia aquele que conduz. Deste modo a autoridade do pedagogo não pode ser confiada a outro
profissional, por possuir campo de estudo, identidade e problemática própria,
investido de um papel reflexivo, investigativo da ação educativa e, por conseguinte
cientifico.
Finalizo com um texto da professora Isabel Alarcão:
(...) Quero uma comunidade, dotada de pensamento e vida própria,
contextualizada na cultura local e integrada no contexto nacional e global mais
abrangente. Não quero pois uma escola
burocratizada que seja uma mera delegação ministerial. Desejo assim uma
escola que conceba projetos, atue e reflita em vez de uma escola que apenas
executa o que os outros pensaram para ela. (...) Alarcão Isabel- Professores
Reflexivos em uma Escola Reflexiva- Cortez – p. 89.
Eu temia por esse momento: a autonomia dos bons educadores estava incomodando e por isso mesmo eles precisam ser calados, amordaçados. Imagino o futuro desse País onde um aluno, fruto desses novos moldes, chegue à Presidência, Governadoria ou ao Palácio Tomé de Souza! Felizmente, acho que já estarei em outro plano...
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